Por Enzo Mori
A Selic já estava na mínima histórica e o Copom surpreendeu o mercado na última reunião a reduzindo em 75bps (0,75%), o que levou a taxa para o patamar de 3,0%. Na época, a expectativa do mercado era um corte de 50bps. Hoje, de acordo com a expectativa passada na última ata do Comitê, já é esperado cortes adicionais no curto prazo, trazendo a taxa para até 2,25% nos próximos três meses.
A decisão de redução da taxa de juros é adequada, uma vez que diminui a despesa financeira das companhias estimulando a economia nesse momento tão crítico. Entretanto, o micro, pequeno e médio empresariado são pouco impactados pela redução, já que o seu juro é prefixado. Com isso, parte relevante da economia não é beneficiada com esta medida.
Um fato interessante a se observar é o de que empresas de qualidade, que historicamente conseguiam financiamento pagando no máximo 120% do CDI, tiveram que pagar mais de 200% do CDI nos juros das dívidas captadas em abril/20. Este comportamento exemplifica a eficiência do mercado para ajustar os preços à nova realidade que vivemos. Citando alguns exemplos, a Renner e a CCR captaram dívida de curto prazo pagando CDI + 3% ao ano. Como vemos, apenas o estoque de dívidas passadas conseguirá se beneficiar do corte de juros, pois as dívidas captadas recentemente já tiveram o spread cobrado ajustado.
Nesse sentido, o aumento de gastos públicos para auxiliar o país na crise atual criará problemas fiscais futuros, o que levou a um aumento dos juros de longo prazo, como podemos ver claramente no gráfico abaixo. A curva (em verde) inclinou quando comparada a curva do final de 2019 (em bege).
Fonte: Bloomberg
Atualmente, a política monetária está estimulativa e os juros “fora do lugar” esperado. Dessa forma, a expectativa é que os juros subam ao longo do tempo, como observamos na curva em verde acima. Acreditamos que ele pode voltar para patamares de 6% à 8,5%, iguais os vistos em 2018 e 2019.
Algumas consequências diretas do aumento futuro da taxa de juros são a queda do lucro das companhias e de sua precificação. Por estes motivos, é improvável que a bolsa volte para o patamar de 120 mil pontos, num movimento de recuperação em “V”.
Utilizando a visão fundamentalista de análise, a precificação de um ativo é determinada pela capacidade de geração de caixa futuro da companhia trazido ao valor presente, como mostra a fórmula abaixo.
Assumindo a mesma perspectiva de crescimento e margem operacional que o Brasil vislumbrava antes do Covid-19, mas atualizando a premissa da taxa de juros com a expectativa atual, a precificação da bolsa seria impactada negativamente em ~20%, ou seja, o índice deveria estar na casa dos 100 mil pontos. A diferença entre o patamar atual de 80 mil ao de 100 mil estimado é explicado pelo tempo necessário para a economia voltar para os patamares de 2019.
Dito isso, como ainda existe muita incerteza em relação a quanto tempo a quarentena durará e de como será a recuperação da economia, observamos a bolsa hoje precificada adequadamente, dado a piora das condições macroeconômicas, com a inclinação da curva de juros mencionada acima, além das incertezas do cenário atual.