Por Thiago Picanço
A reabertura da economia global tem sido a principal pauta do mercado financeiro nos últimos dias, e vem alimentando a volta do ânimo nos investidores.
Algumas regiões já começaram a abrir as portas, e a sociedade está se deparando com uma economia que funciona em modo de transição: enquanto indústrias e escritórios voltam mais rápido, os setores de entretenimento, serviços e varejo se recuperam mais lentamente e de forma adaptada. Na China, o tráfego de carros nos dias úteis já se aproxima do período pré-corona, mas nos fins de semana o movimento ainda é muito baixo, o que indica uma sociedade ansiosa para recuperar sua renda mas que ainda não se sente confortável em se expôr mais que o necessário.
Outro sintoma desta economia em transição é a volta em alguns países da popularidade dos Drive-Ins, como reportado pela revista The Economist. O carro tem se tornado nas últimas semanas um instrumento de distanciamento social usado para buscar comida, assistir concertos e até mesmo fazer celebrações religiosas, cada um no seu veículo. Esta situação curiosa que mostra a incrível capacidade do ser humano de se adaptar disfarça um cenário bem mais sombrio, entretanto.
Estas soluções criativas não resolvem mais que uma fração do que foi perdido nos últimos meses em atividades dependentes do contato tête-à-tête. Em muitos lugares os comerciantes se recusam a abrir suas lojas (e assumir todas as despesas envolvidas neste processo) até o movimento normalizar, bares e restaurantes seguem amplamente fechados (mesmo em países adiantados no processo de reabertura), professores se recusam a voltar para sala de aula até as escolas estarem seguras, etc.
Levar a economia de volta à normalidade (que conhecemos) exige um nível de conforto do público geral que talvez só aconteça quando uma vacina estiver amplamente disponível. Isso pode demorar, e até lá muitos setores da economia vão continuar funcionando com modelos adaptados. Por isso, o risco de uma volta desordenada não é negligenciável, e os governos estão, de forma geral, atacando esse problema com a mesma falta de planejamento que levou ao isolamento indiscriminado e a medidas públicas de utilidade duvidosa durante o lockdown.
Para discutir a reabertura é importante lembrar como chegamos até aqui: a decisão pelo isolamento social não foi um ato amplamente discutido e planejado, mas sim uma medida desesperada da sociedade para tentar conter a propagação do Covid-19. Nos países sub-desenvolvidos o racional foi ainda pior: apenas copiamos o que os desenvolvidos fizeram. Por conta disso, é fácil entender o porquê de a maioria dos governos não possuir um plano estruturado de saída desta situação. Sem um plano claro de execução e com poucas experiências prévias de reaberturas similares, fica muito difícil prever como se dará de fato essa retomada, mas que ela está próxima ela está.
No mundo todo as pessoas começaram a relaxar suas próprias quarentenas de forma independente, e cada vez mais se vê carros nas ruas, pessoas se exercitando, e até partes do comércio reabrindo, ainda que com um certo jeitinho que o brasileiro conhece bem. Na Europa, a aproximação do verão e a melhora do clima está levando as pessoas de volta aos espaços públicos para aproveitar os dias de sol, numa reação melhor resumida nas palavras de Oscar Wilde: “Eu resisto a tudo, menos às tentações”.
Com planejamento ou sem, a retomada será um processo demorado e não um evento único, e muita coisa não voltará a ser como era. Empresas que se adaptarem prevalecerão, empresas mal posicionadas podem não sobreviver. Muitos modelos de negócio vão desaparecer, outros vão surgir. Profissões ganharão importância, e outras perderão. O papel do governo ganha proeminência nesta conjuntura, pois resta a ele tentar suavizar este período de transição.
Enquanto isso, ruas, praias e parques seguem cada vez mais cheios.