Por Thiago Picanço
Nesta segunda-feira (17/fev) a Apple reportou uma mudança negativa na expectativa de receita para o 1º trimestre de 2020. A empresa anunciou que tanto a oferta quanto a demanda por seus produtos foram impactadas negativamente: as fábricas chinesas estão demorando mais que o esperado para retomar a produção (o que deve afetar a estocagem dos produtos mundialmente). Além disso, espaços públicos na China, como shoppings e afins, continuam sendo evitados, impactando as vendas na segunda maior economia do mundo.
Muito além da Apple, relatos de problemas de produção, logística e estocagem têm sido comuns nas mais diversas empresas que possuem a China na sua cadeia de produção (não são poucas, como podem imaginar). Estes sinais ilustram como o dia a dia dos chineses ainda está longe de voltar à normalidade, contrastando com os resultados recentes na bolsa de valores de lá. O índice de ações chinesas já voltou praticamente ao patamar do começo do ano, quando a nossa maior preocupação ainda era uma guerra entre Estados Unidos e Irã, num descolamento com a realidade que tem sido atribuído à forte influência do governo no mercado de capitais e ao afrouxamento monetário das últimas semanas.
Esta dinâmica de tentativa de recuperação lembra muito o que temos visto nos países desenvolvidos: na falta de atividade, injeta-se caminhões de dinheiro na economia na esperança de retomada. Nos mercados ocidentais o impacto tem sido bem claro: apesar de as economias estarem indo razoavelmente bem e múltiplas recessões terem sido evitadas (especialmente na Europa), ativos financeiros estão indo excepcionalmente bem.
Nossa postagem de hoje é apenas um lembrete de que o mercado financeiro nem sempre é um bom termômetro da economia, seja pela presença de algum agente muito grande no mercado (Bancos Centrais, por exemplo), seja por mudanças drásticas de expectativas (refletindo projeções futuras que ainda não se concretizaram) ou ainda por outros motivos. Buscar entender a natureza dos movimentos do mercado ajuda o investidor a evitar conclusões precipitadas como a de que a situação do coronavírus já é assunto do passado.
Continuamos confiantes numa melhora da atividade mundial para o segundo semestre, mas, assim como a Apple lembrou seus investidores essa semana, precisamos nos ater ao fato de que, até o momento, a crise ainda é bastante real.