Por Thiago Picanço
Quanta coisa mudou desde o nosso artigo sobre o coronavírus de 22 de janeiro. De lá pra cá, a sociedade vem se adaptando progressivamente a uma nova realidade, com mudanças relevantes de sentimento, comportamento e na rotina das pessoas ao longo desses últimos dias e dos que se seguirão.
Até meados de fevereiro, o Ocidente viveu uma aparente fase de negação: vimos o início da crise como um “Negócio da China” que jamais chegaria com força por aqui. Com a chegada do vírus na Itália, observamos a rapidez com que a uma doença se alastra numa sociedade que não toma medidas adequadas de cuidado à saúde da população e então ficamos ansiosos. Desde então, o número de casos e mortes atribuídas ao coronavírus segue crescendo mundo afora, e agora sentimos medo.
O medo teve o impacto positivo de gerar reações de empresas e governantes por todo o ocidente, que de forma geral passou a adotar medidas de isolamento e prevenção. Por outro lado, o medo também leva a sociedade a tomar decisões impulsivas e sub-ótimas: o exemplo mais caricato é a corrida para comprar papel higiênico, que é um fenômeno completamente comportamental.
Com este pano de fundo, chegamos finalmente no assunto da nossa postagem de hoje, pois é claro que a bolsa de valores não poderia ficar de fora da histeria coletiva. Vamos falar de pânico entre os investidores e de alguns mecanismos de proteção da bolsa como os famigerados Circuit Breakers.
Os Circuit Breakers, ou CBs, cuja tradução literal do inglês é disjuntor, funcionam exatamente como esta peça presente em grandes partes dos circuitos elétricos: quando as coisas não acontecem como deveriam, ela desliga o sistema para preservar sua integridade. No contexto da bolsa de valores, quando os preços no mercado à vista apresentam grandes oscilações, o CB entra em cena e suspende todas as negociações por um certo período de tempo, com o objetivo de manter a integridade da bolsa evitando transações causadas por pânico. A ideia é dar alguns minutos aos investidores para esfriarem a cabeça, pensarem e refletirem sobre suas posições, ajudando a estabilizar o mercado em momentos de extrema volatilidade.
Evitar decisões impulsivas não é o único objetivo deste tipo de mecanismo de proteção, que pode ser desenhado para os mais diversos fins. No Brasil, por exemplo, um destes mecanismos adicionais é o chamado “Limite de Oscilação” aplicado no mercado futuro, que busca mitigar o risco de crédito da Câmara de Compensação e Liquidação da B3. Explicamos: uma grande variação no preço dos futuros (tanto para cima quanto para baixo) poderia acarretar em grandes perdas para os investidores, que eventualmente podem não conseguir arcar com elas.
Se o investidor não tiver como cobrir suas perdas, a Câmara de Compensação assume seu lugar na relação com o restante dos investidores, uma vez que é a garantidora da operação. Imagine agora milhares de investidores operando muito além da sua capacidade na bolsa e se deparando com uma variação negativa diária de 20%, 30% ou mais? Muitos provavelmente não teriam como arcar o prejuízo, acumulando grandes somas em perdas que precisam ser pagas aos investidores que estavam apostando do outro lado. A Câmara como garantidora das operações assume este risco e paga todos os “ganhadores” de qualquer maneira, mas fica sem receber dos que perderam. Dependendo do tamanho da variação, a capacidade de pagamento da Câmara poderia ser comprometida sem um mecanismo para protegê-la.
Por mais que estes mecanismos contem com muitos apoiadores, eles estão longe de ser consenso entre os participantes do mercado. Argumenta-se, por exemplo, que ativar o Circuit Breaker logo depois da abertura não faz sentido, já que os investidores tiveram a noite inteira para avaliar suas posições. Argumenta-se também que esses mecanismos geram um certo “campo gravitacional” que acaba puxando o preço para eles quando as negociações começam a se aproximar do limite, e que, com tantas bolsas operando simultaneamente ao redor do mundo, não adianta fechar as operações em apenas uma delas.
A lista de reclamações é extensa, e esta crise de 2020 certamente trará essas discussões para a mesa quando a poeira baixar e os investidores se acalmarem.